quarta-feira, 7 de março de 2012

Kk: Munger, Índia, 18 de fevereiro, 2012


Uma vez, conversando sobre memória, aprendi que, quando recordamos algo, desengavetamos uma visão/imagem/sentimento e olhamos aquilo com novos olhos, por já termos vivido outras coisas desde o ocorrido. Quando a lembrança é re-engavetada, não é mais como a "original". Fica como se fosse uma releitura. Hoje senti claramente como isso ocorre mesmo. Estar digitando algumas coisas um certo tempo depois me fez até estranhar algumas observações e colocações. Vou tentar resistir à tentação de sair modificando tudo.

Após 03 dias no Ashram, veio a vontade de voltar a escrever. Talvez a aventura maior desta viagem tenha sido chegar aqui. Para quem não sabe, Ashram é como um mosteiro e este em que estou está muito relacionado com o ensino de Yoga (filosofia de vida e não meramente uma atividade física). Como eu já disse em outro post, gosto muito (leia-se preciso) de segurança. Por isso, fiz muito esforço para conseguir transporte certo até aqui antes de sair do Brasil. Acontece que minhas tentativas foram em vão. Então, eu só tinha a passagem de avião para Delhi (capital da Índia) e de lá para Patna (a cidade com aeroporto mais próxima do Ashram). Eu tinha duas opções: vir de trem a partir de Delhi (umas 20 horas, se não atrasasse, o que é muito freqüente na Índia) ou o vôo até Patna e me virar a partir de lá e a segunda foi a minha opção. Os problemas de vir de trem eram : as estações costumam estar escritas apenas em hindi, então nunca se sabe ao certo onde está e mulheres ocidentais podem ser muito assediadas pelo fato dos homens imaginarem de nós uma liberalidade absurda.

Voar de Delhi para Patna já deu um certo frio na barriga: num vôo lotado da Índia Airways, éramos apenas umas 4 mulheres. Acabei fazendo amizade com m australiano mais velho (o segundo da viagem) que viajou ao meu lado e isso me deixou mais confortável um pouco.

Pense em um microaeroporto no meio do quase nada na Índia. Foi onde caí, quase de paraquedas. E o friozinho na barriga virou uma taquicardia (aceleração do coração) quando descobri não haver táxi oficial do aeroporto. Perguntei. Um funcionário de uma compania aérea e ele acabou me indicando um escritório de táxis próximo, mas já num prédio fora do aeroporto. Por todos os lados havia uma profusão de cheiros, calor, ruídos e gente oferecendo transporte. Achei o local indicado, contratei m taxi com ar e, aflição estava tão grande que esqueci de barganhar o preço. Tudo na Índia deve ser barganhado. Para nós, turistas, o preço costuma ser acima do dobro do habitual. O trânsito lá é um caos (vou postar no YouTube). O motorista era jovem, na dele e tranquilo e isso também me acalmou. Além do mais, abençoado seja o efeito colateral do Dramin, porque a viagem com previsão de 3 horas de duração pelo Google Maps demorou umas 6,5 horas. Tudo num trânsito sem lei e muito barulhento, num cenário de ininterrupta miséria e falta de infraestrutura. Nesse dia, não senti fome, sede ou vontade de ir ao banheiro por mais de 7 horas. Por fim, o efeito do Dramin passou e veio o enjôo, o que nem foi de todo ruim porque me deixou sem conseguir raciocinar caraminholas sobre a minha situação. Ah, eu não entendia o inglês do motorista e ele, menos ainda o meu.

Cheguei ao Ashram por volta das 19:00 e a cidade me pareceu um pouco mais desenvolvida que as demais do caminho. Fui recebida, encaminhada a quarto e, de lá, ofereceram-me participar da atividade noturna, caso não estivesse muito cansada. Fui. A atividade era algo como uma celebração, com cantos em hindi e algumas falas. Voltei para o quarto, após. Minha colega de habitação, Sankalpa*, foi muito receptiva e me explicou o funcionamento do lugar.

O Ashram tem uma rotina muito rigorosa de trabalho e de "orações" mas, os meus primeiros 03 dias foram atípicos por estarem num período festivo. O café da manhã não era muito cedo (umas 07:30) e, a seguir, íamos a um lugar fora dos limites do "mosteiro", na cidade. Nesse local, um jardim com tendas, tapetes um palanque, ocorriam diariamente os "cantos e orações", seguidos de uma "palestra". A palestra era proferida pelo guru e eram sobre sabedoria, auto-conhecimento, paz, etc. Uma característica do discurso que me chamou muito a atenção foi o fato de ser aplicável a diversas culturas e não era nada normativo ou moralista. O guru era magrinho, alto e contagiante. Quando ele sorria, eu também tinha vontade de sorrir e, quando ele discursava, parecia estar falando especialmente para mim. O caminho de ida e de volta para as festividades era feito a oé, numa caminhada de uns 10 minutos, aproximadamente. Acho que, por motivos de segurança, havia pessoas do Ashram controlando o portão e alguns pontos do caminho. O cenário era de bastante pobreza e, apesar da população ter um grande cuidado corporal e vaidade, em grande parte dela a higiene ambiental é muitíssimo precária - há lixo, esgoto e excrementos humanos por toda a parte.

* aqui a maioria das pessoas têm um segundo nome, espiritual, que traz um significado. Como o vocabulário para nomear os eventos, rituais, hierarquias, etc não me é familiar, farei uso de descrições ou termos da minha cultura que se aproximem um pouco e, para isso, colocarei as expressões entre aspas.

Um comentário:

  1. tou aqui lendo vc e pensando que vai precisar de um tempo bom, após a trip, p digerir todas esssa experiências. bj grande

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