quinta-feira, 8 de março de 2012

Kk: Munger, Índia, 19 de fevereiro, 2012


Hoje a rotina do Ashram voltou ao normal. Grande parte das pessoas que estava aqui partiu para casa ou para cursos e eventos um um outro Ashram, há umas 4 horas daqui.

A experiência da estadia está sendo muito rica e acho que escreveria una infinidade sobre ela - provavelmente, tedioso para quem lê. Por isso, tentei dividir por temas. Uma observação é que toda a vivência aqui tem uma dimensão espiritual e emocional - aliás, provavelmente a parte mais rica da viagem. Entretanto, isso é assunto para outra prosa, para outro momento e requer um grau de intimidade que o blog não dá.

Água: estou num lugar com restrição de água e pobre. Além do mais, um pensamento muito óbvio e simples e que habitualmente esquecemos, é que o meio ambiente em que vivemos faz parte da gente. Somos uma extensão dele e vice-versa. Assim, aqui economia de energia elétrica e de água é a máxima. No banheiro, os sanitários são do tipo (em alguns países, conhecido como banheiro turco) e não há chuveiros. Nas cabininhas de tomar banho, há uma torneira de água sem aquecimento, um balde e uma caneca. Não foi tão ruim quanto parece e não tive grandes dificuldades para lavar meu cabelo (com comprimento quase até a cintura). Devo admitir que, em um dia muito frio, pulei um banho. Mas foi uma exceção. Havia, ainda, no banheiro, baldes para lavar roupa e, no prédio principal, um tonel de água potável.

A comida: as refeições são bem saborosas. Há o café da manhã às 05:45 - geralmente chá e mais uma opção à base de arroz. Às 11:00 há o almoço: arroz temperado, um cozido de legumes em ocasionalmente, um pão fininho. Às 13:00 há o chá e às 17:30 jantar. Apesar da comida soar como pouco nutritiva, o cozido de legumes é bem variado: leva diversos ingredientes. Sei porque trabalho na cozinha. Tudo é vegetariano. Não há talheres e o predominante é comer com as mãos mesmo. A sensação é estranha, além de não ser bonito de se ver. Acontece que as opções são praticamente duas: comer com as mãos ou não comer. Eventualmente se acha uma colher com carinha suspeita. Em uma das minhas primeiras refeições, encontrei uma dessas e não estava de bom aspecto. O raciocínio foi simples: a mão é minha, eu sei onde ela esteve e fui eu quem lavou. O pão fininho também ajuda. Ele pode ser usado como pinça. No quarto dia, pensei já ter superado completamente essa questão de comer com a mão, quando o café da manhã foi mingau. Sugiro experimentar na frente do espelho. Não é permitido conversar durante as refeições. Cada um lava seu prato (parece uma forma média de pizza, tamanho médio, dessas de alumínio) em um lugar parecido com lavatório de escola pública, com várias torneirinhas. Não há bucha ou sabão e as coisas são lavadas com cinzas da cozinha, disponíveis num balde próximo às torneiras.

O lugar: o Ashram é bem grande e, contando com a população rotativa, vivem aproximadamente umas 250 pessoas. Há diversos prédios, de até 05 andares com habitações, cozinha, local de orações, horta, jardins, etc. Os quartos são confortáveis e, os que conheço, são de 02 camas e de 02 janelas. As camas são pequenas, confortáveis e têm mosqueteiros. Não se entra de sapatos na maioria dos lugares, principalmente os de orações e de refeições. Isso é um costume indiano e, nas lojas das cidades, é habitual ver-se as pessoas descalçando-se para entrar.

O trabalho: faz parte da vida aqui, como em qualquer comunidade, um trabalho. Todo mundo tem a sua tarefa e isso é chamado de Seva. Comecei o meu no segundo dia e era servir café da manhã às 05:45 - gostoso porque eu, dentre outras coisas, tinha a oportunidade de ver todo mundo. Após o fim das festividades, o horário de dedicação ao trabalho aumentou e comecei a ajudar, também, na cozinha, picando e descascando legumes durante a manhã e a tarde.

O corpo: o horário de dormir é bem cedo, antes das 21:00 e, o de acordar, aproximadamente às 05:00, o que dá 8 horas de sono. O meu habitual são 05 e com alguma dificuldade. Não tive tantos problemas para dormir aqui, apesar de acordar algumas vezes durante a noite. O corpo está sempre exausto ao fim do dia, principalmente as pernas e as costas. Não há cadeiras ou mesas e todas as atividades (exceto dormir e as filas são realizadas estando-se sentado ou agachado ao chão). Imagine: todas as refeições, estudar, "rezar", ouvir "palestras", descascar legumes, ir ao banheiro... Mas com o tempo, a postura vai se tornando natural. Quando pensei estar me adaptando, o trabalho se intensificou e, como estou vindo de uma fase bem sedentária no Brasil e utilizando outros grupos musculares na minha rotina em BH, as dores pioraram e veio a exaustão. Comecei a contar os dias... Querer ser uma pessoas melhor exige muito esforço e disciplina - tenho uma grande caminhada pela frente.
Para dar uma idéia do meu trabalho na cozinha e, indiretamente, da minha alimentação, nesses 14 dias eu:
- descasquei/ piquei: batata, cenoura, beterraba, cebola (3 dias depois e o cheiro continua), repolho, ervilha, couve-flor, vagem, banana, mamão verde, tomate, etc.
- tirei a ponta de vagem e miolo de pimentão.
- catei: arroz comum, arroz em flocos, feijão e cereal que nunca vi no Brasil.
- abri shapati (o pão fininho).
- lavei: faca, lona, tábua, pratão, pratinho, pia, liqüidificador, parede de cozinha.
Como os indianos são extremamente amigáveis e carinhosos (acho que também sou receptiva), a cozinha acabou virando aula de hindi e de inglês. A maioria dos indianos aqui fala inglês, mas com um sotaque todo especial, e como o meu inglês já não é lá essas coisas...
Eu, ainda, colei hologramas em livros da editora da escola de Yoga, limpei almoxarifado, ajudei a contar centenas de uniformes e roupas paz doação, etc.

As pessoas: definitivamente, o melhor da viagem está sendo a "viagem humana". No Ashram, vivem, basicamente, os monges, os alunos e os visitantes. Os alunos fazem cursos de algumas semanas a quatro meses ou são um tipo especial de discípulos, que abdicam de suas vidas habituais e vínculos e moram lá por 03 anos. Conheci e fiz amizade com pessoas incríveis como a Liz, uma canadense de coração brasileiro que estava no Ashram como visitante, assim como eu. Ela já morou no Brasil, fala português perfeitamente e sabe jogar capoeira. Teve ainda as queridas "meninas" indianas, Karuna, Sônia e Radhika, com quem tive oportunidade de conversar sobre as diferenças culturais de cada país. Encontrei muitos brasileiros especiais, como a Patrícia, brasiliense que está morando n Ashram e Ganga Dara e Agoranada, do Centro Satyananda de Belo Horizonte (proporcionaram-me emoções inenarráveis). Outra pessoa especial foi o senhor Gautam, indiano que estava de visita ao Ashram por uns dias e que, sempre que possível, ensinava a mim e à Liz o significado das expressões, dos rituais... Éramos das mais diversas nacionalidades (além das acima,búlgaros, espanhóis, iranianos, italianos, argentinos, colombianos, coreanos, suíços, australianos, etc) e a motivação para estar lá também era muito heterogênea (desde formação para trabalhar a posteriore com Yoga a gente que não sabia exatamente o que as conduziu até ali).

Fotos: banheiro, refeitório, café da manhã, almoço, situação que as mãos ficaram. Lembrando que o App do Blogger muda as fotos de ordem. As fotos continuam no próximo post.

Um comentário: